O meu primeiro caminho de Santiago

Há já algum tempo tinha tomado a decisão de fazer o caminho de Santiago e decidi iniciá-lo na sexta-feira santa por sentir que seria, para mim, “mais que um ato de devoção, uma experiência de transformação pessoal”. Hoje posso dizer, depois de ter feito meu primeiro caminho, que me senti “chamado” a fazê-lo.

Podemos ler muito sobre o caminho e pedir muitas opiniões a quem já o fez (como eu fiz) que continuaremos sempre a ter surpresas sobre o que faz sentido para nós próprios.

Eu encarei a ideia de fazer o caminho como algo que tinha de fazer para me desafiar espiritual e mentalmente, atribuindo também dois significados especiais à chegada: o chegar no dia 12/4 em que comemorava 2 anos do meu mais recente desafio profissional e fazer o registo da compostela no dia 13/4, o dia do meu 45º aniversário.

Dia 1: Encanto

Depois de todo o nervosinho miudinho do dia anterior com a chegada a Valença e o “reconhecimento” inicial de onde deveria começar, este foi o dia de começar.

Aos primeiros passos com a mochila às costas, todo o nervosinho desapareceu como que “por magia”. Por algum tempo a “preocupação” de encontrar a próxima seta ainda me ocupou a mente, mas rapidamente dei por mim encantado com tudo. Era o nascer do dia que parecia ter um encanto especial, a paisagem que encanta, o contacto com os primeiros peregrinos de tantas nacionalidades (logo neste dia contactei com portugueses, alemães, brasileiros, americanos a que se viriam a juntar dinamarqueses, polacos, coreanos).

Ao fim de alguns quilómetros já dei por mim a rezar a minha vida, o que me fez perceber que algo extraordinário estava já a acontecer.

Logo neste dia senti o quão grato sou por tudo o que tenho conseguido, o quanto é importante focar-me cada vez mais nas soluções nas diferentes componentes do “EU”.

Tão compenetrado fiquei nos meus pensamentos que tive os meus primeiros dois “enganos” no caminho. (Quando chegamos a um cruzamento e não vimos setas, mais vale voltar à última que nos lembramos… com sorte encontramos um peregrino que nos aponta de imediato o caminho certo que foi o que me aconteceu 😊)

Dia 2: Descoberta

Depois de um dia mais focado em mim e no meu interior, este foi dia de descobrir mais o propósito de outros peregrinos, interagir mais, começar a entrar mais no “espírito do caminho”.

Foi também a descoberta do impacto físico num corpo pouco preparado e em que os quilómetros com subidas e descidas acentuadas também trazem os seus desafios.

É a altura em que o nosso corpo é convidado a reagir, o espírito a estar mais presente e a mente a ser mais forte.

Dia 3: Transformação

Este foi o dia que comecei mais cedo pois era também o dia em que sabia que ia fazer mais quilómetros – demais para ser bem sincero, algo a evitar para aproveitar melhor o caminho.

Comecei o caminho ainda antes do amanhecer e dei por mim em zonas completamente escuras e com subidas e descidas acentuadas. Aqui se revelou a importância de ter as coisas básicas como uma luz. A mente foi chamada a ser forte e, quando o dia nasceu, senti de imediato uma transformação.

Sendo uma etapa mais desgastante fisicamente, a mente começa novamente a divagar por todos os assuntos que me são importantes. É o dia em que me apercebi, de facto, da importância dos momentos sozinhos e em silêncio que tanta dificuldade temos em ter nos nossos dias atarefados. Uma prática à qual espero reservar mais tempo, aproveitando para fazer mais caminhadas por exemplo.

Dia 4: Aceitação

A vida acontece e devemos saber aceitar. Isto é verdade no caminho e na Vida.

Esta está a ser uma jornada com paralelo na minha vida.

Se parti sem um propósito definido, hoje é claro para mim que o caminho “me chamou” para me ajudar a valorizar o que tenho, priorizando como sempre a família, mas valorizando também quem demonstra estar comigo.

Aceitar que a vida nem sempre é o que achamos que tem que ser mas o que precisamos que seja.

Aceitar que a nossa mente tem um papel importante e que temos de nos alinhar com o Todo.

Aceitar a dor e pensar no caminho e em ultrapassar mais uma etapa.

Na vida como no caminho, aceitar o que a Vida me está a dar, acreditando que será o melhor para todos.

Dia 5: Superação

O importante é o caminho, mas não haja dúvidas que no horizonte estar a chegada a Santiago de Compostela, coloca o ânimo em alta.

Esse ânimo é visível em cada peregrino à sua maneira, independentemente do porquê de estarem a fazer este caminho. Cada um tem, sem dúvida, um propósito e história para contar (e conhecem-se várias pelo caminho).

Para mim não foi diferente e, para além das paisagens bonitas que sempre tem, foi bom reencontrar um amigo de Vagos e o meu primo que vive em Santiago de Compostela e que conseguiu enquadrar no seu percurso de trabalho um café comigo num dos cruzamentos com a N550 que se atravessa várias vezes neste último dia.

Tive de superar uma dor forte nos últimos 10kms mas mesmo isso foi encarado, por mim, como mais uma pedra no caminho.

Chegado a Santiago de Compostela, o sentimento de superação passa a uma alegria interior indescritível. Algo mudou em mim, não sei explicar o quê mas tenho a certeza que termino este caminho mais ciente das minhas forças e do poder da mente – seguramente um EU melhor.

Notas finais

  • A mochila que me acompanhou ganhou para mim um significado especial. No caminho passou a representar para mim as coisas que queremos levar connosco na vida.
    Temos de ser bem seletivos pois o que não precisamos ou não nos acrescentar nada só acaba por nos prejudicar e fazer sofrer. É assim com o peso da mochila ao longo dos dias e dos quilómetros como é na vida.
  • A compostela foi obtida no dia do aniversário como tinha desejado e, no final do mesmo, ainda consegui estar junto da família. O que mais poderia querer?

Parti para este caminho sem saber como me iria aguentar com o desafio acrescido (para mim) de o fazer sozinho. Hoje a questão já é… Quando e qual vai ser o próximo caminho? (Parece-me que vai ser o mesmo, na vertente espiritual 🙏)

Acredita que posso acrescentar valor aos seus projetos?